Desde o dia 1 de fevereiro de 2019 que a contratação de pessoas com deficiência passou a ser obrigatória. As empresas beneficiaram, porém, de um período de transição de quatro anos que termina já no primeiro dia do próximo mês. O que muda, então, para as empresas a partir de agora?
A nova legislação foi publicada em Diário da República no dia 10 de janeiro de 2019 e entrou em vigor no dia 1 de fevereiro do mesmo ano, colocando em prática um novo sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%.
Com esta nova legislação, as empresas estão obrigadas a cumprir quotas sempre que quiserem contratar um novo trabalhador. Tal como explica Graça Quintas, Head of Employment Law na SMFC – Sousa Machado, Ferreira da Costa & Associados, este regime será “prioritariamente aplicável, já a partir de 1 de fevereiro, mas apenas em grandes empresas e em médias empresas com mais de 100 trabalhadores”.
A legislação determina como “grandes empresas” as que empreguem mais de 250 trabalhadores e médias todas as que tenham um mínimo de 50 trabalhadores e um máximo de 249 trabalhadores.
Para já, as empresas médias que empreguem entre 75 e 100 pessoas ainda têm um ano para se prepararem para esta obrigatoriedade, uma vez que o seu período de transição foi de cinco anos, em vez dos quatro anos das restantes organizações abrangidas.
Para instituições que se tornem médias ou grandes em 2023, está previsto um período de transição adicional de dois anos, de forma a permitir uma adaptação atempada às obrigações impostas pelo novo regime legal.
Empresas pouco preparadas para preencher quotas obrigatórias
Para já, as empresas estão pouco preparadas para as mudanças que aí vêm. “A maior parte das empresas não estará ainda em condições de cumprir a lei por desconhecimento ou ausência de know-how. A simples tarefa de encontrar candidatos ainda suscita muitas dúvidas”, refere Nathalie Ballan, membro da Direção do GRACE – Empresas Responsáveis. Nathalie Ballan reconhece, no entanto, que tem havido “uma evolução crescente na atenção que as empresas dedicam a este tema e, também, o lançamento de diversas iniciativas de emprego inclusivo”.
Outro dos desafios que muitas empresas descrevem, na hora de contratar pessoas com deficiência, prende-se com a falta de qualificações técnicas para as vagas que estas necessitam de preencher.
Para Nathalie Ballan, a resposta a este desafio “é sempre a mesma, para qualquer profissional: formação”.
Apoios e incentivos à inclusão: o que é que já existe no mercado?
Neste campo, o IEFP tem sido um aliado de peso das organizações. “Muitas entidades empregadoras, por razões ligadas a questões de falta de informação, falta de apoio ou ainda por manifestação de atuações que prevalecem de estigmatização e pouca abertura ao emprego de pessoas com deficiência, tendem a disponibilizar menos oportunidades de ingresso e progressão profissional para estas pessoas”, comenta Domingos Lopes, Presidente do Conselho Diretivo do IEFP. Este, dispõe de um “completo e variado conjunto de medidas de apoio”, com o objetivo de “facilitar e estimular a contratação, a realização de estágio ou a qualificação de pessoas com deficiência”.
“O Programa de Emprego e Apoio à Qualificação das Pessoas com Deficiências e Incapacidade, criado pelo Decreto-Lei n.º 290/2009, de 12 de outubro, na sua versão atual, concentra a generalidade das intervenções nesta área, tendo criado um conjunto importante de medidas destinadas a suplantar as dificuldades no acesso, manutenção e progressão no emprego, sem prejuízo do recurso às medidas gerais de emprego e formação profissional, que igualmente preveem, em diversas situações, disposições mais favoráveis para este público”, complementa Domingos Lopes.
Para apoiar a implementação deste Programa, bem como de outras intervenções do Instituto, foi concebida uma rede de centros de recursos que integra entidades sem fins lucrativos com experiência comprovada no domínio da reabilitação profissional, devidamente credenciadas pelo IEFP, para efeitos de suporte e apoio à atuação dos serviços de emprego e de intervenção especializada neste campo. Atualmente, esta rede de centros de recursos é constituída por 62 entidades, distribuídas por Portugal Continental- as Regiões Autónomas têm competências próprias.
Além deste programa, o IEFP conta com uma série de medidas concretas como o Apoio à Qualificação. “A medida de qualificação das pessoas com deficiência visa promover ações que possibilitem a aquisição e o desenvolvimento de competências profissionais, tendo em vista potenciar a empregabilidade das pessoas com deficiência, orientadas para o exercício de uma atividade no mercado de trabalho, manter o emprego e progredir profissionalmente de forma sustentada. Consiste no desenvolvimento de ações de formação inicial e contínua, tendo em consideração as características e competências dos formandos”, refere o Presidente do Conselho Diretivo do instituto.
Para Nathalie Ballan, a criação de sinergias é fundamental para que as empresas sejam capazes de ultrapassar os desafios trazidos pela entrada em vigor da obrigatoriedade da contratação de pessoas deficientes. “As empresas devem envolver mais as associações e entender quais serão as necessidades de acompanhamento. Muitas organizações do Terceiro Setor estão disponíveis para facilitar e serem mediadoras no processo de integração. As empresas devem trabalhar em conjunto com as instituições sociais especializadas em empregabilidade de pessoas com deficiência, que os vão apoiar em todo o processo. É importante o desenvolvimento de relações estáveis e duradouras de todas as partes”, comenta.
O que está nas mãos das empresas agora?
As empresas que não cumpram com a nova legislação ficam sujeitas a uma contraordenação grave, ao passo que as organizações que não cumpram os requisitos em termos de apoios técnicos ou de adaptação do posto de trabalho incorrem numa contraordenação leve.
Graça Quintas, deixa alguns conselhos às organizações, para que estas possam salvaguardar-se: “em primeiro lugar, e de um ponto de vista muito prático, será absolutamente crucial que a identificação de cada posto de trabalho a preencher seja divulgada de forma clara, objetiva e descrita de forma tão rigorosa quanto possível, devendo ser especificadas no perfil pretendido, quais as funções a exercer, bem como as qualificações e competências exigidas”, enumera.
A advogada explica ainda que “a conclusão de que o perfil dos candidatos com deficiência sob análise não se coaduna com os requisitos de contratação pretendidos só poderá ser legalmente justificada e atendível, se a empresa conseguir comprovar que todo o processo de recrutamento e seleção foi assegurado com a máxima transparência, profissionalismo, rigor e isenção e que, ainda que aplicados critérios objetivos, não foi possível identificar candidatos suscetíveis de se enquadrarem nas vagas e nos perfis definidos, devendo a empresa estar em condições de poder comprovar que, recaindo a elegibilidade sobre outros candidatos, a mesma não adotou quaisquer práticas de natureza discriminatória, não lhe tendo sido possível preencher as vacaturas existentes através da quota que legalmente lhe passou a ser imposta”.
Para evitarem a aplicação de coimas, as empresas podem apoiar-se nas seguintes exceções: sempre que, relativamente ao posto de trabalho em causa, “se verifique uma impossibilidade de aplicação da quota legal definida – neste caso, o potencial empregador deverá dirigir um pedido de aplicabilidade de tal exceção à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), acompanhado de parecer fundamentado emitido pelo Instituto Nacional de Reabilitação, I. P., com a colaboração dos serviços do IEFP, I. P”, assinala Graça Quintas. “A outra via de exceção prevista na legislação em vigor resulta da demonstração, pelo potencial empregador, de que não existem nos Centros de Emprego candidatos com deficiência em número suficiente e/ou que reúnam os requisitos de elegibilidade exigíveis para o preenchimento das vagas existentes. Neste segundo caso, deverá ser apresentada a competente prova junto da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) – por exemplo, através da junção de declaração emitida pelo IEFP a atestar tal facto”.
Mais do que mitigar os desafios impostos pela obrigatoriedade da contratação de deficientes, o ideal será as empresas adotarem uma postura preventiva, assente na inclusão e diversidade, em parceria com associações que apoiam o emprego e a formação.
Fonte: rhmagazine.pt